
Cientistas reunidos na conferência da União Europeia de Geociências (EGU), realizada na última semana, alertaram para o aumento significativo da chamada turbulência em céu claro, impulsionado pelo aquecimento global. Esse tipo de turbulência, invisível aos olhos dos pilotos e não detectada por radares, pode surpreender a tripulação e ferir ageiros. m4g6h
De acordo com Paul Williams, professor de ciências atmosféricas e chefe da divisão de pesquisa meteorológica da Universidade de Reading, no Reino Unido, a tendência é preocupante. “Em algumas rotas aéreas bastante movimentadas, a turbulência pode dobrar, triplicar ou até quadruplicar nas próximas décadas”, afirmou. “O que observamos é que as regiões das correntes de jato tanto no Hemisfério Norte quanto no Sul estão sendo afetadas.”
Como o nome indica, a turbulência em céu claro ocorre em céus aparentemente calmos, geralmente perto de fronteiras entre massas de ar que se movem em direções e velocidades distintas. Nessas situações, aviões podem ser arremessados repentinamente para cima e para baixo por centenas de pés, causando avarias na estrutura e colocando em risco a segurança a bordo.
Esse tipo de turbulência já vem sendo registrado com mais frequência nos últimos anos, mas só recentemente os cientistas começaram a entender melhor seus mecanismos, especialmente em relação às correntes de jato, grandes rios de ar que percorrem o planeta de oeste a leste e influenciam o clima.
No entanto, Williams afirma que observar apenas os efeitos das mudanças climáticas nas velocidades dos ventos em grandes altitudes não tem sido suficiente. O fator mais relevante, segundo ele, é o cisalhamento vertical do vento, a variação da velocidade e direção do vento entre diferentes camadas da atmosfera.
“Quando analisamos três grandes conjuntos de dados climáticos, observamos um aumento claro de cerca de 15% no cisalhamento vertical ao longo dos últimos 40 anos”, disse Williams.
Esse cisalhamento nas correntes de jato pode ser comparado, segundo o climatologista Davide Faranda, diretor de pesquisa em física climática no Laboratório de Ciências do Clima e Meio Ambiente, na França, ao que acontece com um rio que a a descer mais íngreme: ele se torna turbulento. “Se você colocar um barco pequeno nesse trecho do rio, ele vai balançar muito, o mesmo vale para aviões voando em correntes de jato turbulentas.”
Faranda se interessa por turbulência em ar claro desde criança, fascinado por aviões e meteorologia. Mas seu envolvimento ganhou outro nível após uma experiência marcante em 2023, durante um voo entre Los Angeles e Charlotte, após uma conferência científica em San Francisco. “Enfrentamos mais de três horas de turbulência severa em ar claro. Compartimentos de bagagem se abriram, malas voaram. Foi traumatizante”, relatou.
Correntes de jato instáveis 2w446j
As instabilidades nas correntes de jato podem se formar a partir de irregularidades no relevo terrestre, explica Faranda. “Apesar de não existirem pedras ou encostas no céu, a atmosfera sente o relevo de áreas como as Montanhas Rochosas, os Alpes ou a Groenlândia. Essas elevações perturbam os ventos e podem alcançar altitudes em que os aviões voam.”
Entretanto, a localização dessas áreas de instabilidade muda constantemente, já que as correntes de jato oscilam em padrões sinuosos, com grandes curvas para o norte e sul. Essas oscilações são influenciadas principalmente pelas diferenças de temperatura entre as regiões polares e as latitudes médias.
“O aquecimento global é mais rápido nas regiões polares”, lembra Faranda. “Isso acelera o derretimento do gelo e altera o equilíbrio térmico entre oceanos e continentes, o que, por sua vez, afeta as correntes de jato.”
Foi Paul Williams quem primeiro mostrou que, se as correntes de jato estão sendo alteradas, a turbulência nelas também aumenta, o que impacta diretamente a aviação comercial. Durante sua apresentação na EGU, ele destacou a importância do cisalhamento vertical do vento: “Esse indicador apresenta um sinal muito mais claro nos dados, comparado ao ruído estatístico”.
“E por que nos importamos com o aumento do cisalhamento? Porque estamos voando através disso”, disse Williams, mostrando a foto de um jato que perdeu um motor após um episódio severo de turbulência. Segundo ele, desde os anos 1970, houve um aumento de 55% na ocorrência de turbulência severa.
Modelos climáticos indicam que, nos cenários mais realistas de emissões de gases de efeito estufa, um “ponto quente” na alta troposfera tropical continuará a crescer, intensificando o gradiente de temperatura nas latitudes médias, justamente onde se concentram muitas das rotas internacionais mais movimentadas.
Esse ponto quente é resultado do aquecimento acentuado provocado, em parte, pelo vapor de água liberado pelos oceanos tropicais. Se o ritmo atual de aquecimento persistir, o cisalhamento vertical pode aumentar 29% até 2100. No entanto, se as emissões forem reduzidas pela metade até meados do século, esse aumento pode ser limitado a 17%.
“Isso significa, inevitavelmente, muito mais turbulência num futuro não tão distante”, alertou Williams.
Apesar de suas preocupações, Faranda afirma que continuará voando. Ele acredita que novas tecnologias de medição, maior conscientização e até melhorias no design das asas e na estrutura das aeronaves ajudarão a manter os voos seguros.
“Em princípio, é possível atravessar essas áreas sem consequências na maioria dos casos”, diz o pesquisador. “Mas, diante das previsões de turbulência mais intensa e frequente, é fundamental manter os programas de observação meteorológica.”
Segundo ele, qualquer redução nesses sistemas de monitoramento, algo que já vem sendo cogitado em alguns países, poderá comprometer a precisão das previsões e, consequentemente, tornar os voos mais instáveis.
Informações do Inside Climate News
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