
O Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) informa que a aviação brasileira perdeu, na tarde de ontem, quarta-feira, 10 de julho, a piloto agrícola Juliana Torchetti, 45 anos, em um acidente durante uma operação de combate a incêndio florestal nos Estados Unidos.
O fato ocorreu no Estado de Montana, no oeste do país, onde Juliana integrava a equipe que combatia as chamas na Floresta Nacional de Helena, cidade sede do Condado de Lewis e Clark, no centro-oeste do Estado.
Como compartilhado pelo Sindag e reproduzido pelo AEROIN em fevereiro, Juliana acabava de se tornar, naquele momento, a primeira brasileira a pilotar o Fire Boss – a versão para combate a incêndios do Air Tractor AT-802, considerado o maior avião agrícola do mundo.
O Sindag divulgou, na manhã de hoje, uma Nota de Pesar pela perda da profissional, que era considera um exemplo de “força feminina no setor e da garra e profissionalismo dos pilotos brasileiros”. Além disso, a própria presidente do Sindicato, Hoana Almeida Santos, destacou que a partida precoce da profissional é uma perda irreparável para a aviação agrícola.
“Estamos muito tristes e abalados com a notícia. Juliana representava não somente a determinação e a coragem dos pilotos brasileiros, mas era também um exemplo de profissionalismo, pela linda trajetória. Valorizando o papel das mulheres no setor e sendo fonte de inspiração para muitos”, sublinhou a empresária.
Amiga de Juliana e também piloto agrícola e de combate a incêndios, a gaúcha Joelize Friedrichs (que atua no Brasil) ressaltou que a amiga é um exemplo e inspiração.
“Ela realizou o sonho de muitas nós, que é voar o Fire Boss e estava construindo a carreira dela nos Estados Unidos”, comentou, referindo-se à versão do avião agrícola Air Tractor AT-802 equipada com flutuadores. Trata-se de um modelo concebido justamente para operar em combate a incêndios a partir de lagos e represas e que ainda não é utilizado no Brasil.
“Ela era uma das grandes”, completou Joelize, recordando também as conversas no grupo de pilotos agrícolas mulheres no WhatsApp, onde aconselhava as colegas brasileiras sobre como conciliar carreira e maternidade, por exemplo. “Os feitos dela, as conquistas dela e seus conselhos vão mantê-la viva em nossos corações. É isso, está sendo bem difícil”, concluiu, emocionada.
Como foi o acidente
Segundo o Sindag, o acidente com Juliana Torchetti teria ocorrido por volta do meio-dia no horário local (15h00 no Brasil), durante a manobra de scooping com o Fire Boss. Nesse tipo de operação, o piloto pousa a aeronave em um lago ou represa, mas segue a corrida captando água para o hopper (reservatório) e decola em seguida.
Segundo testemunhas mencionadas pela imprensa norte-americana, eram três AT-802 atuando na área. Eles estavam captando água no ponto conhecido como Ha Lake –cerca de oito quilômetros a noroeste da represa, também no Rio Missouri. Já as chamas estavam sendo combatidas na área conhecida como Horse Gulch, mais perto da represa.
Segundo relato à imprensa do xerife de Lewis e Clark, Leo Dutton, no momento do acidente, Juliana estaria em segundo no circuito de toque, corrida e decolagem, mas, enquanto realizava o scooping, o avião pareceu ter batido em algo, despedaçou-se na água e afundou.
As investigações sobre as causas do acidente agora estão a cargo do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB, na sigla em inglês), que poderá dizer se houve mesmo choque contra objeto, banco de areia ou onda.
O corpo de Juliana foi recuperado por volta das 17h00 locais (20h00 em Brasília), por equipes voluntárias de busca e resgate dos condados de Lewis and Clark e de Gallantin. Mas as autoridades não divulgaram a identidade dela até que seus parentes no Brasil tivessem sido contatados. Até então, a imprensa mencionava apenas uma piloto de 45 anos cujos familiares eram de outro país.
Os três FireBoss envolvidos na operação pertencem a uma empresa que atua para o Serviço Florestal dos Estados Unidos. Por conta disso, os governadores de Montana (onde ocorreu o acidente), Greg Gianforte, e de Idaho (que cedeu o avião ao Serviço Florestal no Estado vizinho), Brad Little, emitiram uma nota conjunta.
“Estamos profundamente tristes em saber do falecimento da jovem bombeira florestal que tragicamente perdeu a vida respondendo ao incêndio Horse Gulch em Helena, Montana. (…) Nossos primeiros-socorristas e bombeiros florestais arriscam suas vidas para responder rapidamente às ameaças e proteger nossas comunidades. É um verdadeiro ato de bravura correr em direção ao fogo. Nós nos juntamos a todos os habitantes de Montana e Idaho em oração pela família e amigos da heroína caída durante este momento trágico”, menciona o documento.
Exemplo de persistência e dedicação
“Não é só um trabalho, é um chamado”, diz a última postagem de Juliana Torchetti em sua página no Facebook. Foi no dia 4 de maio, pelo Dia Internacional dos Bombeiros.
Tendo contabilizado em sua carreira mais de 6,5 mil horas de voo, desde pequena ela quis ser piloto, mas começou como comissária de bordo. Entrou para a aviação em 2007, foi instrutora de voo e depois copiloto e piloto em aviões Boeing 727 e 737. Até que em 2013 entrou para aviação agrícola.
Em 2018 foi morar nos Estados Unidos, onde se tornou a primeira brasileira a voar em lavouras na terra do Tio Sam, onde fez também a transição para aeronave turboélice e onde acabou participando, em 2021, do vídeo comemorativo dos 100 anos da aviação agrícola no mundo, produzido pela Associação Nacional de Aviação Agrícola dos Estados Unidos (NAAA, na sigla em inglês), na época, assinando também o sobrenome Coppick – do piloto estadunidense John Coppick, com quem foi casada.
Em 2022, Juliana investiu na compra de um imóvel para montar uma cafeteria, oferecendo aos norte-americanos o sabor dos grãos de seu Estado. Foi o suficiente para conquistar a cidade de Springfield, no Estado de Illinois, com a Aviatori Coffee House, com temática de aviação, levando à população local a combinação dos grãos e do pão mineiro. Tanto que em apenas cinco meses o estabelecimento já havia sido eleito pela imprensa local como segunda melhor cafeteria da cidade de mais de 110 mil habitantes.
Mas, como quem tem asas não fica muito tempo em solo, Juliana voltou a voar lavouras, mas de olho também no combate a incêndios. Fez o treinamento para operar hidroaviões e depois mirou no AT-802F Fire Boss. Em 14 de fevereiro deste ano, tornou-se a primeira brasileira a voar o modelo, durante a etapa de treinamento na Flórida.
Juliana teve sua primeira operação real em pleno dia 4 de julho – data da Independência dos Estados Unidos. Foi contra chamas próximo a um aeroporto no Estado de Washington. Duas horas depois – conforme relatou em sua conta no Linkedin, foi despachada para outro incêndio, este em uma área de 340 hectares, onde ela e o líder da operação repetiram 11 vezes as manobras de scooping e lançamento sobre as chamas.
“Alguns nos chamam de heróis. Bem, esse é um título pesado para carregar. Gosto de dizer que somos pessoas comuns fazendo algo extraordinário”, encerrou a postagem.
Informações do Sindag