
O acidente do mês ado que vitimou seis pessoas em Nova York com um helicóptero de turismo pode ter uma reviravolta na investigação.
A aeronave Bell 206L LongRanger IV de matrícula N216MH caiu no Rio Hudson durante um sobrevoo em Manhattan. A bordo estavam uma família da Espanha e o piloto, sendo que todos os seis ocupantes faleceram no acidente.
Várias teorias iniciais surgiram para explicar como a aeronave teve tanto o cone de cauda como o rotor principal desprendidos da fuselagem de maneira quase simultânea. Uma das principais teorias era o chamado Mast Bump, onde o disco do rotor (onde as pás estão fixadas) se movimenta longitudinalmente até atingir o mastro ou outras partes do helicóptero, sendo causado por uma mudança de força mais brusca.
Porém, o relatório preliminar divulgado pelo Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB) trouxe informações que apontam para outro possível problema: as “novas” pás do rotor principal. Os investigadores também não destacaram alguma anomalia na caixa do rotor da aeronave.
Nas informações e vídeos divulgados pela NTSB, é apontado que possivelmente o cone de cauda se desprendeu inicialmente da fuselagem, sem de fato o disco do rotor principal ter contato com ele, e fora do ponto de conexão da fuselagem com o cone.

Baseado nos dados divulgados, o Comandante Juan Browne, conhecido como “Blancolirio”, que atualmente voa jatos Boeing 777 e anteriormente serviu na Força Aérea Americana (USAF) pilotando caças e atuando como investigador de acidentes militares, destacou outro incidente ocorrido no final do ano ado que pode estar relacionado à queda em Nova York.
Blancolirio é conhecido pelas explicações técnicas e análises em investigações aeronáuticas, sendo bastante respeitado no setor por suas explicações claras, rápidas, sem especulações e com uma visão ampla dos acontecimentos, apoiada por sua experiência como investigador.
O especialista não descobriu por acaso esse acidente do ano ado, que envolveu outro Bell 206 LongRanger no estado de Washington: uma ACS foi emitida recentemente para coletar mais informações sobre problemas com as pás de rotores fabricadas pela empresa Van Horn Aviation (VHA).
ACS é uma sigla para Airworthiness Concern Sheet, que se traduz como Documento de Preocupação com a Aeronavegabilidade. Esse documento permite que pilotos e operadores de aeronaves relatem à istração Federal de Aviação (FAA) suas observações e informações sobre aspectos específicos da aeronave que operam. Normalmente, ele é enviado a associações como a Associação de Proprietários e Pilotos de Aeronaves (AOPA).
Na ACS emitida dois dias antes da divulgação do relatório inicial da queda em Nova York, relatou-se que vários pilotos têm observado uma vibração vertical excessiva, especialmente naqueles helicópteros equipados com pás da VHA. Em pelo menos um caso (incidente em Washington), o piloto precisou realizar um pouso de emergência após as vibrações se tornarem anormais. Após o pouso, foi constatado visualmente que o cone de cauda apresentava danos severos, mesmo sem ter sido atingido por qualquer objeto ou parte da aeronave.
Esse acidente ocorreu em 26 de setembro de 2024, na cidade de Prairie, no interior do estado de Washington, com o Bell 206 de matrícula N9984K, e ainda está sob investigação.
A VHA fabrica pás de material composto que substituem as originais de alumínio nas aeronaves Bell 206, tanto nos modelos JetRanger quanto LongRanger. Como qualquer componente aeronáutico, as pás do rotor do helicóptero têm uma vida útil determinada por horas de voo, ciclos ou data no calendário.
Por ser um helicóptero cuja produção começou em 1962, há várias aeronaves B206 com dezenas de milhares de horas de voo, cujas pás do rotor já foram substituídas mais de uma vez. Entretanto, a produção dessa família de aeronaves foi encerrada em 2017, e a Bell deixou de fabricar as pás originais de alumínio.
Assim, os proprietários de B206 que desejam manter suas aeronaves operacionais devem adquirir pás homologadas como substitutas. É nesse contexto que a VHA entra, sendo uma fabricante certificada (mas não a única). A NTSB não confirmou se o helicóptero acidentado em Nova York estava equipado com essas pás, mas evidências fotográficas e relatos de profissionais do setor apontam que sim.
O possível problema com essas pás seria a presença de fraturas internas não detectadas, reduzindo sua flexibilidade. As pás de material composto já possuem rigidez naturalmente maior que as de alumínio, o que pode aumentar a transmissão de vibrações ao conjunto de transmissão do rotor principal. Essas vibrações, por sua vez, se espalham por toda a aeronave — que, no caso do helicóptero de Nova York, já contava com quase 13 mil horas de voo.
Uma teoria estabelecida é que essas vibrações teriam causado um dano estrutural interno progressivo, que, com o tempo e o esforço acumulado durante os voos, evoluiu para danos catastróficos, resultando no desprendimento de partes da aeronave.
Diversos profissionais da aviação relataram experiências similares com pás compostas, destacando a dificuldade de inspeção desse tipo de material. Um piloto contou que recebeu a visita de um piloto de testes da Bell, que ao ver a pá da VHA instalada em seu helicóptero recomendou a substituição imediata.
Outro piloto observou que o LongRanger — versão alongada do JetRanger, com 76 cm a mais de comprimento — já tem uma tendência maior a vibrações no cone de cauda justamente por seu tamanho maior.
Por fim, um aviador canadense mencionou um acidente ocorrido em setembro de 2019 na província de Colúmbia Britânica, no Canadá. Na ocasião, um Bell 206 sofreu falha de motor em voo e o piloto executou uma autorrotação. Durante a descida, as pás do rotor se deformaram.
A investigação conduzida pela agência de segurança canadense TSB revelou que o modelo de pás compostas da Van Horn instalado no helicóptero não ou por uma avaliação dinâmica durante o processo de certificação. Além disso, constatou-se que o controle de qualidade da Van Horn não incluía inspeções internas para defeitos nem critérios definidos para o tamanho máximo aceitável dessas falhas.
“Portanto, é possível que uma falha intrínseca desconhecida permaneça após a fabricação, podendo exceder um limite de dano predefinido e comprometer a integridade estrutural das pás do helicóptero. Caso os processos de fabricação das pás do rotor principal não incluam inspeções internas para identificar defeitos ou critérios claros sobre o tamanho aceitável desses defeitos, há o risco de que falhas que afetam a integridade estrutural não sejam detectadas“, afirmaram os investigadores canadenses em um relatório final divulgado em 2022.
A própria Van Horn teria realizado testes após os relatos dos pilotos, mas não conseguiu replicar as vibrações observadas. Supostamente, a empresa teria sugerido a alguns pilotos que “virassem o helicóptero para a direita e aumentassem o coletivo” como forma de aliviar a carga no disco do rotor e, assim, reduzir as vibrações. No entanto, essa recomendação não pôde ser confirmada junto à fabricante.
Pelo menos uma empresa que opera vários JetRanger e LongRanger teria trocado as pás da VHA por componentes de outro fabricante após os pilotos relatarem problemas, e as vibrações cessaram após a substituição.
A investigação da NTSB deve continuar ao longo de 2025, com a expectativa de que o relatório final seja divulgado no início de 2026, respeitando o prazo estipulado pela ICAO e IATA de até 12 meses após o ocorrido.
Como parte ativa da comunidade aeronáutica e visando à segurança de voo, o AEROIN se une ao pedido do Comandante Blancolirio, da Vertical Aviation International e da AOPA, para que pilotos de Bell 206 que tenham ado por situações semelhantes enviem e-mail à FAA com detalhes sobre o voo. O pedido também se estende aos pilotos brasileiros leitores do portal. O e-mail deve ser enviado em inglês para [email protected], mencionando a ACS emitida em 6 de maio de 2025, disponível neste link e relacionada ao caso WPR24LA319 investigado pela NTSB.